Este
conto é dedicado ao Guilherme.
Havia
um menino feliz. Feliz demais na opinião de muitos. Sua alegria era tão
enérgica que, até dormindo, raios de felicidade saíam de seu corpo faiscando
como se fossem pequenos curtos-circuitos. Isto não era visível, mas era
possível sentir.
Sempre
que o menino acordava queria que todos acordassem junto com ele. A vida era
bela demais para que ele deixasse os outros perdê-la por um instante sequer.
Ele era empolgado consigo mesmo e até sozinho conseguia manter elevado seu
nível de entusiasmo com a vida. E isto é dificílimo de conseguir.
Sua
normalidade era sempre acima dos demais, mais intensa. Ao falar, o tom de voz
sempre era aumentado. Ao brincar, usava todas as energias do seu corpo. Ficar
sentado raramente funcionava quando havia outras opções mais interessantes ao
seu redor. Seus pensamentos pipocavam um atrás do outro, sem nenhum descanso,
de forma bem bagunçada. Ele parecia uma criança normal, como a maioria das
outras crianças eram.
No
entanto, havia algo naquele menino que incomodava demais as pessoas que
conviviam com ele. Começaram a dizer que ele estava fora do padrão e que era
doente. Diziam que era um caso raro. Logo estava diagnosticado: felicidade
demais. Era uma doença. Assim, como a tristeza em excesso, a felicidade de
sobra também precisava ser neutralizada.
Devido
à raridade da enfermidade, o caso foi considerado questão de Estado, segurança
nacional. Se fosse contagioso, o mundo ficaria de pernas para o ar. Se não
fosse, também não era um exemplo a ser seguido.
Foi
montada uma mega operação para tentar neutralizar a felicidade do garoto.
Muitas cabeças, das mais inteligentes, começaram a pensar em como tirar toda
aquela euforia do menino. Tiveram a primeira ideia: prenderam-no na imaginação
de um garoto normal, pois os especialistas pensavam que “Um lugar calmo e com
pensamentos leves, ordenados e corretos será o suficiente para neutralizá-lo.”.
Mas não foi. Aquela simples imaginação normal de outro garoto não aguentou os
pensamentos eufóricos do menino e logo se rompeu, livrando-o daquela prisão.
Estando
livre, percebeu que precisava fugir. Mais cedo ou mais tarde, as pessoas que o
prenderam viriam atrás dele. Então, focou toda sua energia em um só objetivo:
fugir. Mas era muito difícil para ele se concentrar em uma só tarefa quando ao
seu redor havia tantas outras coisas interessantes. Deu início à sua fuga, mas
esta não durou muito tempo porque logo depois estava brincando com filhotes de
cães em um campo aberto e cheio de flores. Era muito difícil focar em um só
propósito.
Então,
ele foi novamente raptado por aquela sociedade. Amarraram-no em pé a uma árvore
de forma tão forte que não conseguia mexer nenhuma parte do seu corpo. Estava
com as mãos para trás e logo colocaram uma venda em seus olhos para que não
visse o que aconteceria. A segunda ideia era usar a pílula da neutralidade, que
ainda estava em testes iniciais. Devido às circunstâncias ninguém se opôs, pois
seria mesmo necessário testá-la em humanos.
Abriram
a boca do garoto e o forçaram a tomar aquela pílula. Todos os dias, uma pessoa
diferente da sociedade ia até o garoto amarrado na árvore e o forçava a engolir
aquele medicamento. Isto se repetiu por meses até que meses se tornaram anos.
Desamarram-no quando foi dado por curado: já não havia energia, nem felicidade
ali. Não incomodaria mais ninguém. Agora neutro, o menino estava livre para
viver sua vida da forma como lhe fora escolhida. Foi assim por algum tempo.
Com o
passar dos anos, a neutralidade do menino foi ficando de lado e ele começou a
sentir novamente uma pontadinha de alegria na alma. Era uma boba sensação de
felicidade misturada com empolgação. Mais velho e experiente, percebeu que não
poderia demonstrar isto para ninguém. Deitado em sua cama, fez planos de fugir
para uma outra sociedade. Tentando dormir, mexia sua perna de um lado para o outro,
como sempre fizera antes de ter sido neutralizado.
A
fuga aconteceu uma semana depois. As pessoas ditas neutras não notaram a
ausência do menino porque não se importavam com outras pessoas neutras. A
sociedade estava bem mais preocupada em neutralizar pessoas que eram diferentes
em sua essência. Assim, aquela sociedade foi extinta 50 anos depois. Na
realidade, a neutralidade era bem incomum. No fundo, no fundo, todos tinham sua
peculiaridade que lhes tiravam a característica de neutros e para não criarem
raízes presos à árvore, preferiam sumir com o vento.
Eduardo
Franciskolwisk
Um dos melhores textos que já li, foi uma leitura mágica. Do melhor jeito possível. 👏👏
ResponderExcluirObrigado, Letícia!
ExcluirEstou tentando escrever um outro conto. Mas está demorando pra sair.
Não tem de quê. Vou esperar pra ler!
ExcluirUm dos melhores textos que já li, foi uma leitura mágica. Do melhor jeito possível. 👏👏👏
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