Existem médicos que são doidos. Por outro lado, existem doidos que são médicos...
– Mas como? Como vocês o deixaram escapar? – disse o diretor do manicômio a seus enfermeiros?
– Não sei, doutor! – respondeu um deles.
– Mas como? Como vocês não sabem? – repreendeu o diretor novamente. – Quero saber agora mesmo, qual de vocês estava na portaria?
Uma mocinha, novata no hospital para doidos, levantou a mão lentamente. Seu rosto estava com uma expressão sem graça. Quase sem voz falou:
– Era eu, doutor. Era eu quem estava na portaria quando o doido maluco fugiu.
– E porque a senhorita não fez nada? Por que não avisou ninguém?
A moça, mais sem graça ainda, explicou:
Na verdade, doutor, ele não fugiu. Eu dei permissão para que ele saísse.
– Mas como? Como a senhorita pôde fazer essa burrada no seu primeiro dia de trabalho?
– É que ele estava vestido de médico. E hoje de manhã, disseram-me que seria normal aparecer o Napoleão, o Batman, Jesus Cristo... até a Xuxa me disseram que já apareceu por aqui. Portanto, não pensei que eles fossem capazes de se passarem por médicos.
– Lembre-me, minha filha, – aconselhou o diretor – eles são loucos e não burros! Burros são vocês que são incapazes de cuidar dessas pobres pessoas! E digo mais... – porém não disse. O diretor naquele momento tinha escorregado em uma poça de água que havia ao lado do bebedouro, dentro mesmo de sua sala. Ele caiu de costas e bateu a cabeça em uma das pontas de sua própria mesa.
Ao verem o sangue se espalhar pela sala, os enfermeiros, ao contrário do que era esperado, logo se desesperaram. A verdade é que eles eram enfermeiros de mentirinha, ou seja, tinham o título, mas não eram capazes de fazer coisa alguma para ajudar.
De repente, a porta da sala do diretor se abriu. Um dos pacientes, que tinha o cabelo à Albert Einstein, gritou:
– Levem-no para o hospital de gente normal aí da frente!
Os enfermeiros se entreolharam indecisos. Várias vozes de outros loucos começam a torcer como se estivessem num estádio de futebol:
– Leva! Leva! Leva! – dizia o coro!
E vibraram com a mesma intensidade de um gol feito quando, finalmente, os enfermeiros escolheram seguir o conselho!
Colocaram, então, o diretor rapidamente e de qualquer jeito mesmo em um leito desses com rodinhas! Todos os enfermeiros foram para o hospital que ficava em frente àquele em que estavam. Alguns deles foram na frente para já providenciar o socorro necessário, outros empurravam a cama ambulante e tinha também as “enfermeiras-comadres” que ficaram para trás, mas também indo ao hospital, comentando (lê-se “já fofocando”) sobre a tragédia.
O primeiro grupo já tinha encontrado um médico e quando o doente chegou já estava tudo pronto para que ele fosse internado. O homem de branco explicava com palavras difíceis sobre o quadro clínico do diretor e, por isso, nenhum enfermeiro entendeu nada.
Quando o terceiro grupo chegou, aquele das enfermeiras-comadres, houve um silêncio. Eles se tocaram! Só agora a ficha tinha caído. Ninguém havia ficado cuidando do manicômio. A mocinha novata, que tinha chegado junto com as fofoqueiras, quero dizer, “enfermeiras-comadres”, arregalou os olhos e falou para si mesma: “Esse médico é aquele doido!”. Pensou um pouco e decidiu dizer para alguém, porém, mandaram-lhe que ficasse quieta. Tentou falar novamente, mas um colega que estava falando sobre a possível fuga dos outros loucos gritou com ela:
– Não dê palpites, sua “encompentente”. Anda, faça algo certo. Volte para aquele “manicômbio” e cuide para que os outros loucos não fujam!
Chateada pelos insultos do colega e se sentindo culpada por tudo que estava acontecendo, ela voltou para o hospital onde trabalhava sem dizer nada sobre o médico.
Chegando lá, percebeu que um estranho silêncio reinava no local. Ela suava frio. Será que todos os outros tinham fugido? Não... Agora ela tinha começado a escutar uma voz:
– Três mil, duzentos e vinte e quarto; três mil, duzentos e vinte e cinco... – o louco estava contando virado para parede e não pôde continuar porque tinha sido interrompido pela moça.
– Escute, onde estão os outros?
– Estão escondidos! – disse ele. – Estamos brincando de esconde-esconde! E todos estão escondidos.
– Mas eu não estou vendo ninguém escondido...
– Ora, minha senhora! Claro que não, você não pode vê-los se estão escondidos! – disse o doido colocando as mãos na testa como se estivesse inconformado e depois continuou. – Sabe? A senhora não pode vê-los porque eu estou brincando com os meus amigos invisíveis.
A mocinha pôs uma mão no peito e acalmou-se:
– Nossa! Já estou mais aliviada. Achei que só o senhor tivesse ficado. Mas se os seus amigos também ficaram, isso quer dizer que foram poucos os malucos que fugiram! Quantos desses amigos invisíveis estão escondidos por aí? – quis saber ela.
– Uns 254... acho! – respondeu.
– Ufa... você não sabe a alegria que essa sua notícia me trouxe ao coração.
O louco estranhou a resposta da moça, nunca ninguém tinha acreditado sobre seus amigos invisíveis. Então, perguntou:
– A senhora é paciente nova?
– O quê? – espantou-se a moça.
– Eu já desconfiava. Lembre-se: eu sou louco e não burro. Eu pego as coisas no ar facilmente. Depois, se a senhora quiser, eu te mostro a minha coleção de mosquitos e outros bichos que voam! Eu sou ótimo em pegar coisas no ar!
A mocinha se irritou. Olhou para o doido como se quisesse matá-lo! Mas conseguiu se conter dizendo:
– Por que você não volta a brincar de esconde-esconde com os seus amigos?
– Brincar com quem, dona?
– Com os seu amigos invisíveis! Aqueles com os quais você estava brincando no momento em que cheguei...
– Eu, hein! – falou consigo mesmo o doido – Aqui aparece cada louco! Acho melhor eu sair de perto, isto pode ser contagioso!
Discretamente, ele foi se afastando da mocinha. Estava com cara de assustado, ou melhor, ele tinha entrado em pânico. Pegou ligeiramente um estilingue de sua cintura e com uma voz heróica, bradou:
– Para trás, seu monstro! Eu estou armado com esse negócio aqui! Eu não sei o que é, mas aviso logo: eu sei usar. Para trás, seu monstro gigante e imundo!
A moça obedeceu! Foi se afastando para trás cada vez mais. Por sorte, ela estava de costas para a porta do manicômio. Por azar, só soube disso ao rolar a escadaria da portaria abaixo. Novamente por sorte, o tombo a tinha levado para a rua! Foi só levantar e correr para o outro hospital, o hospital de gente normal.
Entrou correndo à procura de seus colegas enfermeiros. Ao encontrá-los na sala de espera, tentou explicar toda ofegante os problemas que tinha tido no manicômio. Mas não foi possível... Quando o médico que atendeu ao diretor entrou na sala, todos miraram seus ouvidos para suas palavras. A moça desmaiou ao ver o médico. O médico, com uma cara séria, olhava para os outros enfermeiros. Os enfermeiros já pensavam no pior!
De repente, o médico abriu um grande e amarelo sorriso. Aquele era o sorriso mais sincero que alguém ali já tinha visto. Os enfermeiros já não pensavam mais no pior.
– Tenho uma notícia a dar. – disse a voz suave do médico. – O paciente está bem! Ele está muito bem! Ou melhor, ele está muito, muito bem! Está melhor que todos nós!
Os que estavam na sala de espera, respiraram aliviados. E o médico continuou:
– Tenho certeza que ele está em boas companhias. Afinal, ele está em um lugar onde tudo é melhor: ele está no paraíso! É isso... o diretor passou dessa para uma melhor! Foi difícil, mas eu consegui fazer isso sozinho!
Após dar a notícia e dar a si mesmo o mérito do feito, riu e foi atender um outro caso que chegava naquele instante.
Eduardo Franciskolwisk
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