Dona Cecília, como era de costume após o jantar, reuniu todos os netos na sala de estar para contar mais uma de suas histórias. Mais uma das inúmeras histórias que os seus pouco mais de setenta anos de sabedoria haviam acumulado. Aproximou-se da poltrona em que sempre costumava se sentar com uma certa dificuldade. Suas pernas já não eram as mesmas de 20 anos atrás. Depois de sentada, ajeitou-se de modo a ficar muito confortada para, então, começar sua narrativa.
Julinho, neto caçula de Dona Cecília, sentou-se rapidamente no chão ao pé de sua avó. Os outros, já maiores, também adoravam ouvir suas histórias, porém, não se comparava a ansiedade de Julinho com a dos mais velhos.
“Depois de um longo passeio por esta mesma cidade, eu e o avô de vocês, antes de voltarmos para casa, paramos em uma padaria para comprar algo, estávamos famintos. O avô Zico desceu e foi até a padaria, enquanto fiquei esperando sozinha no carro. Eu não tinha percebido, mas havíamos parado o carro quase ao lado de uma mendiga.
Pouco tempo depois, vi sair da padaria um homem muito bem vestido que ao ver a mendiga parou e disse:
- Bom dia, Senhora! Ao passar aqui não pude deixar de perceber a sua tristeza. Estou dizendo a verdade, nós, os sábios, sempre percebemos quando alguém não está bem. Às vezes chegamos a sentir o motivo de tanto sofrimento. É um dom magnífico, é o dom da sabedoria. Este dom não é para qualquer um, pois sabemos agir corretamente em quaisquer das situações! Agora, com sua licença, me despeço!
E foi-se embora o homem sábio.
Parei para pensar um pouco na conversa, não sei se posso usar a palavra conversa, afinal, a mendiga não disse nenhuma palavra, quando vi uma mulher saindo da padaria. Não, Julinho, ela não estava bem arrumada, também não posso dizer que estava vestindo trapos. Ela também parou para conversar com a mendiga:
- Oi, moça! Comu ocê tá? Eu tava passandu por aqui e quandu ti vi, eu achei que ce’tava cum fomi. Comu, intão, eu fui ali na padaria compra uns pão, pensei qui ocê ia querê um. Eu achei assim: ela tá ali mendingando e por aqui ninguém dá as coisa pra gente, vô ajudar ela! Tá aqui, pega um pão pro’cê! Hoji tem fatura, deu pra comprá inté mortandela. Vô ti acompanhá na cumida! Eu sei qui a mortandela num é muito das boa, mais é qui eu tivi que comprá da mais barata, si não, o tutu num ia dá. Si, por acasu, ocê num gostá, faiz qui neim o povo lá di casa! Tampa o nariz e ingole tudo. Bom, o papu tá muito bom, mais eu tenhu que vazá! E comu eu vi fazer um sinhor lá na padaria agorinha pouco: Agora, cum sua lincencia, me despido!
E foi-se embora a mulher simples dos pães.
Eu achei que não fosse acontecer, mas algum tempo depois ouvi o grito da mendiga para a mulher:
- Obrigada!
Isso me deixou completamente intrigada! O homem bem arrumado tinha tudo para arrancar aquele “obrigada” da boca daquela mulher e no entanto não o fez! E foi feito por alguém que menos esperávamos que o fizesse.
Depois desse dia, aprendi que a humildade está acima da sabedoria. Uma pessoa humilde pode vir a ser um sábio, mas, um sábio, que já não seja humilde, nunca alcançará a humildade.”
Ao término da história, todos se levantaram e foram continuar suas vidas. Entretanto, Julinho subiu no colo de sua avó e perguntou:
- Vovó, o que aconteceu com a mendinga?
- A mendiga? Ela conseguiu um emprego numa casa onde trabalha muito bem e onde todos gostam dela – respondeu sua avó.
A mocinha, ao servir o copo de suco para Dona Cecília, perguntou:
- Mais alguma coisa Dona Cecília?
- Não, Lalá! Muito Obrigada!
Eduardo Franciskolwisk
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