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terça-feira, 23 de março de 2021

Queimando formigas



Quando eu era criança, uns 9 ou 10 anos, estudava em uma escola estadual. Lá as crianças tinham o hábito de levar produtos químicos e buchinhas para limparem suas carteiras antes de começar a aula.
 
Então, eu entrei na onda e comecei a levar meu kit limpeza de carteira. Tinha bucha, um frasco antigo de desodorante, daqueles de espirrar, com produtos de limpeza e um pano para secar. Às vezes o que tinha dentro do frasco de desodorante era álcool e às vezes, detergente. Este kit sempre ficava na minha mochila.
 
Um dia, eu estava brincando no quintal e vi uma formigona. Sim, das grandes. Fiquei com medo dela me morder porque um dia uma formiga gigante me picou e doeu muito. Aí, eu não queria repetir a experiência, então, resolvi matar ela. Eu queria matar ela, mas eu precisava ficar a uma boa distância dela para não correr o risco dela me pegar de jeito e de me imobilizar.
 
Foi aí que eu me lembrei do meu frasco de desodorante que tinha álcool e resolvi que seria uma boa ideia queimar ela viva. Fui até a cozinha como quem não queria nada e surrupiei uma caixa de fósforos. Com tudo o que eu precisava em mãos, fui à caça à formiga. Joguei álcool, acendi o fósforo, taquei fogo nela e vi ela queimar até a morte.
 
Eu gostei muito desta ideia, por isso sempre que eu achava uma formiga grande, ia correndo pegar meu kit incendiário, quero dizer, meu kit de limpar carteiras escolares. Aí, eu fazia da mesma forma, jogava álcool nela e depois acendia um fósforo. E ela queimava.
 
Fiz isto até não ter mais nenhuma formiga grande no meu quintal.
 
Me lembro do dia em que eu avistei uma formiga bem diferente das outras, ela era maior ainda. Aí, pus fogo nela também. Depois disso, as formigas sumiram. Hoje, fico imaginando que podia ser a formiga rainha e que eu matava tanta formiga que não deu tempo dela procriar outras e teve que ela mesma ir buscar comida. Aí, ela me encontrou. Desde então, as formigas grandes do meu quintal foram oficialmente extintas. Nunca mais encontrei nenhuma.
 
Hoje, eu penso no absurdo que era: uma criança com álcool e fósforo na mão. Penso em como eu poderia ter me machucado ou colocado fogo na casa inteira, com ou sem intenção.
 
Penso também que psicopatas assassinos judiavam de animais quando crianças e os matavam como se a vida deles não valesse nada. Aí eu me pergunto se sou meio psicopata por isto, mas acho que não. Eu só matava formigas e mato até hoje. Mato também baratas envenenadas toda semana e se eu fosse psicopata, uma sociedade inteira seria psicopata juntamente comigo porque há inúmeros supermercados que vendem inseticidas sem nenhuma piedade destes animais. Nem os protetores dos animais vai contra a matança de insetos.
 
Eu me lembro até hoje de imaginar que as formigas viviam como os humanos de forma secreta e por isso, quando eu matava uma formiga, minha foto aparecia nos noticiários de TV do “Canal das Formigas” e uma formiga repórter anunciava que eu estava matando todas elas e que era para ficarem longe de mim.
 
Sei lá, mas vejo uma certa semelhança dos meus atos infantis com a Igreja Católica. É o mesmo lema: se incomoda, basta queimar vivo na fogueira.
 
Eduardo Franciskolwisk

sexta-feira, 12 de março de 2021

Depressão depois de velho é sorte



A depressão pode aparecer em algumas pessoas quando elas ainda são jovens, sejam crianças ou adolescentes. Há outras pessoas que nunca sofrerão deste mal, nascem e morrem sem saber o que é depressão e algumas delas ainda fazem questão de expressar “sabiamente” que esta doença “não é nada, é uma frescura!”. Por outro lado, há aqueles que vivem a infância, adolescência e adultez sem depressão, mas são capturados por ela quando chegam na velhice. E eu me peguei pensando em quão sortudos são estes idosos que conhecem a depressão após uma vida de felicidade.
 
Tenho uma tia que agora, com pouco mais de 60 anos, foi trocada por uma mulher mais jovem. No começo, era só uma traição descoberta, porém, com o andar dos acontecimentos a troca definitiva foi efetuada. E aí, ela não aguentou o tranco e entrou em uma depressão profunda. Tentou se matar algumas vezes e foi internada em uma clínica psiquiátrica. Talvez nunca mais volte a ser como antes. Após, 40 anos de casamento, além dela, estão envolvidos na bagunça dinheiro, bens, filhos e netos.
 
Imagino que seja bem difícil para uma pessoa que está chegando na velhice ter depressão grave, mas não posso deixar de me comparar e de desejar estar no lugar dela. Como estas pessoas são sortudas! Eu queria muito ter depressão só com 60 anos e não ter tido com 16, com grande possibilidade de ter iniciado antes. Eu queria que minha alma tivesse morrido quando eu estivesse velho, mais perto da morte, do que quando adolescente, mais perto da vida.
 
Eu me pego pensando no caso dela: sempre foi alto astral, sempre teve vida financeira boa, sempre teve muitos amigos, sempre ia em bastantes festas e, além disso, já tem filhos adultos e netos adolescente que moram quase todos com ela. Além disso, sempre soube que era traída. Sei disso porque me lembro da minha tia conversando com minha mãe e avó sobre este assunto quando eu tinha uns 13 ou 14 anos.
 
Então, eu fiquei meio sem entender porque desta vez, depois dos 60 anos, o cérebro dela resolveu espanar. Tudo está a favor dela: tem dinheiro, casa, carro, filhos, netos, ou seja, muito mais coisas para se preocupar nesta idade do que com homem. Eu acho que esta é uma boa idade para levar um pé na bunda: já tem tudo e ainda perde o parceiro que só dava trabalho. Na minha opinião, isto é uma benção e não uma maldição. Ela ganhou liberdade.
 
Na hora da comparação, cagado sou eu que tenho depressão, fobia social, ansiedade e pânico desde adolescente e não tive tratamento na época. Tudo era considerado como viadagem ou frescura minha. Hoje, com 37 anos, eu não tenho amigos, ficante, namorada, casamento, filhos ou casa pra chamar de minha. O que eu tenho é desânimo da vida. Falta vontade até para as festas de família, encontrar as minhas irmãs ou meus sobrinhos. Fiz uma faculdade que não era a dos meus sonhos porque não tinha dinheiro para me mandarem para outra cidade. Tenho que trabalhar aguentando assédios e falta de educação para poder não morrer de fome ou não morar debaixo da ponte quando eu for expulso desta casa.   
 
Aí, quando uma pessoa sadia, que viveu a vida ao máximo, fica em depressão depois de velho, é um escândalo! Todo mundo em volta faz muito barulho. E devia ser o contrário, o escândalo deveria ser feito quando jovens que não tiveram nenhuma experiência têm depressão e continuam sem energia e ânimo para adquirirem estas vivências. Para estes casos, como o meu, o máximo que as pessoas fazem é dar de ombros e dizerem “Ah, ele é esquisito mesmo...”.
 
Então, infelizmente, eu considero ter depressão depois de velho um golpe de sorte. Muita Sorte. É um rabudo com um rabo bem grande mesmo. Eu queria ter sido assim. Azar é a alma ter morrido jovem e o corpo continuar com vida.    
 
Eduardo Franciskolwisk

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