Quando achamos que já aconteceu de tudo conosco, vem a vida e nos desvirgina mais uma vez. Tudo tem uma primeira vez. E quinta-feira passada foi a primeira vez que eu vi uma pessoa morrer.
Carlos Drummond de Andrade disse “Eta vida besta, meu Deus” em um de seus poemas. A morte também é besta. E também é tão simples, normal e garantido que chega a dar medo. Deve ser por isso que ela nos assusta e desnorteia tanto.
Na última quinta-feira, enquanto ia de carro para Guaíra/SP pensava em como aquela estrada era perigosa à noite. Depois da ponte do rio Pardo é impossível ver as linhas luminosas (ou melhor, refletivas) no chão com luz baixa por dois motivos: o primeiro é que a terra as tapa e o segundo é que em alguns trechos da pista a linhas laterais brancas simplesmente não existem.
Do nada, os carros que vinham no sentido contrário começaram a dar sinais de luz. Estranhei tanto sinal e pensei que pudesse ter polícia lá na frente. Porém, eu estava enganado. Havia um acidente que tinha acabado de acontecer e eu, quase em pânico, parei o carro. Não sou médico, mas talvez meus míseros conhecimentos farmacêuticos pudessem ajudar de alguma forma.
O carro bateu de frente com uma ambulância. Ele ficou muito amassado (foto, esta aí a prova) e quem começou a prestar os primeiro socorros para o motorista foi o pessoal da ambulância mesmo. Eles não tiveram ferimentos graves e até fizeram a sinalização para avisar aos outros carros do acidente.
Quando me aproximei, pude ver que o motor do carro ainda soltava fumaça e o motorista estava conversando, respondendo tudo o que lhe perguntavam. Depois de uns 15 minutos, ele simplesmente parou de falar. O SAMU chegou uns 3 minutos depois do silêncio do homem e não puderam ajudar muito porque ele estava preso nas ferragens.
Tentaram colocar oxigênio nele, mas não adiantou. Neste momento, a médica disse que ele não tinha mais pulsação. Abriu os olhos dele e disse “midríase”. Na faculdade, eu sempre confundia midríase com miose, “Qual é dilatação e qual é constrição da pupila?”. Depois deste fato, nunca mais vou confundir: midríase é a dilatação da pupila e quando alguém morre é uma das primeiras coisas a acontecerem.
Eu vi uma pessoa morrer e isso me atordoou. Eu não conseguia pensar em outra coisa. Morrer é uma coisa muito besta: em um momento se está aqui e no outro não se está mais.
Me recordo de alguém perguntar para o homem se ele queria que ligasse para alguém da família dele. Ele respondeu “Ainda não” e foi embora sem se despedir de ninguém. Se fosse eu, teria ligado só para ouvir a voz de alguém familiar pela última vez. Não contaria nada do que tinha acontecido. Mas mataria o tempo conversando com alguém querido, enquanto o tempo tratava de me matar.
Eduardo Franciskolwisk