Todas as vezes em que eu ia para a cidade de Guaíra-SP de ônibus, percebia que uma mesma senhora ia também. E no mesmo dia, quando eu retornava para Barretos, ela também voltava.
Ela é uma senhora negra, já idosa, aparentemente, pobre e um pouco doente.
No último sábado em que fui para Guaíra de ônibus, tive a oportunidade de conversar um pouco com ela. Foi ela quem puxou assunto. Aliás, é quase sempre assim, são os outros que vêm conversar comigo. E eu retribuo a conversa numa boa.
Era um pouco difícil de entender o que ela dizia, mas vou contar aqui um pouquinho da conversa que tive com esta mulher. Não é a história de vida completa dela, mas é uma parte. É a situação em que ela vive atualmente.
Para matar a minha curiosidade perguntei por que ela ia todos os sábados para Guaíra ao meio-dia e sempre voltava no ônibus das 6 horas. Ela respondeu: “Porque algumas pessoas não me deixam ficar o tempo todo aqui na rodoviária de Barretos.”. Desconfiei que ela dormisse ali no terminal rodoviário, mas quis que ela mesma confirmasse e ela disse “Durmo, sim.”. Ou seja, a mulher pode ficar na rodoviária, mas não as 24 horas do dia. Por isso, todo dia à tarde ela pega o ônibus até Guaíra, fica um pouco na rodoviária de lá e depois volta. Tem coisas que ela pode fazer na rodoviária de Barretos, mas que não pode fazer na de Guaíra e vice-versa. Então, morando nas duas é possível fazer mais coisas...
Depois, perguntei: “Onde você almoça?”. E ela respondeu: “Eu não almoço.”. Achei estranho, mas depois ela completou. “Eu como salgado!”. Na minha opinião idiota, comer salgado já é almoçar e para esta mulher, não. Aliás, na minha opinião imbecil, até comer bolacha recheada é almoçar. O que vocês acham que eu almoçava quando eu estava na faculdade? Porém, quando a pessoa é normal, quer comer comida de verdade. E elas sentem falta disto quando não têm. Então, ela considerava que não almoçava.
Eu quis saber das roupas que ela carregava. O fato de ela ter duas sacolas em uma semana e na outra ter uma só me deixou intrigado. Então, ela me disse que tinha uma só sacola porque tinha jogado a outra fora. O motivo era simples: a roupa estava suja e ela não usa roupa suja. Sujou, jogou no lixo. Ela disse também que as pessoas davam algumas roupas para ela sempre que precisava.
Perguntei um monte de outras coisas: família, filhos, sobre dinheiro, onde ela tomava banho, etc. Mas não me lembro com certeza das respostas que ela me deu. Então, não vou inventar histórias ou falas que ela não me disse. Ela é uma pessoa real e quero que o texto também seja.
Não sei como era a vida dela no passado. Se ela já teve muita coisa e perdeu tudo ou se nunca teve nada. O que pude perceber é não importa a situação em que estejamos, sempre haverá alguém para nos ajudar e alguém para nos prejudicar.
Não é preciso ver um filme do Tom Hanks para saber que existem pessoas que vivem no terminal, dependendo da ajuda dos outros. Basta ir à rodoviária mais próxima e prestar mais atenção. Lá pode ter alguém nesta situação. E a vida real é bem mais dura do que na ficção. Os dias são mais longos, pois as horas demoram mais a passar. Os ônibus vêm e vão, trazendo e levando pessoas. Milhares de pessoas. A maioria delas está preocupada somente com o próprio umbigo.
Um aeroporto ou uma rodoviária representa a liberdade de ir e vir quando quisermos e para onde quisermos. Para esta mulher, não. Embora ela tenha me dito que mora no terminal rodoviário porque quer, sei que isto não é verdade. Ela não tem outra opção. Ela está presa em uma falsa sensação de liberdade.
Eduardo Franciskolwisk
Nossa Edu... que triste essa história. Mas sabemos que é a realidade mais pura. Pessoas habitam rodoviárias, aeroportos e, pior, ruas. E fico me indagando nestas noites frias como se viram essas pessoas. Gostaria de um mundo mais igual...
ResponderExcluirBeijos*-*
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