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quarta-feira, 6 de maio de 2020

Explosão Tchakabum



Dias atrás, fui ao supermercado e na hora de ir embora me deu vontade de bater em um deficiente. Eu tenho algum problema, Doutor?

Não sei o que o Doutor diria, mas eu digo que sim, tenho muitos problemas. E um deles é relativamente novo: eu explodo com facilidade. Dependendo do meu humor e do que tiver acontecido, o sangue me sobe à cabeça e vou para cima com tudo. Até agora nunca agredi ninguém fisicamente, embora não faltasse a vontade. Até agora vou para cima só com as palavras.

Neste dia que fui ao supermercado, eu estava de boa na lagoa, não estava nem um pouco nervoso. Era uma quinta-feira e fui fazer compras no período da tarde por causa da quarentena. Eu costumo ir de noite em épocas normais porque escolho um horário que não tem muita gente justamente para evitar inúmeras situações chatas e encontrar pessoas.

Fiz minhas compras sossegado, paguei sossegado, mas a hora de guardar as compras no carro foi bem bizarro. Geralmente, de dia, tem alguns vendedores ambulantes, então, eu vi um cara que poderia ser um destes vendedores e como ele não me falou nada, passei reto. Mas passei reto bem desconfiado, por isso, tentei colocar ele na minha visão periférica. Olhei de um lado ele não estava, do outro também não. O cara estava atrás de mim. Fiquei com medo de ser assaltado. Era certeza que ele ia fazer alguma coisa comigo. Cheguei no carro, olhei para trás e ele estava lá, quase em cima de mim. Era um pedinte.

Um pedinte quase em cima de mim durante a quarentena do coronavírus. Eu não gosto de gente em cima de mim nem em época normal.

O pedinte, moço novo de uns 20 e poucos anos, não era mendigo porque estava bem vestido. Ele não me disse nada e mostrou um cartão – na verdade ele deu, mas eu não peguei por causa do coronavírus – onde rapidamente li “deficiente”. Ele meio que balbuciou alguns sons. Entendi que ele era surdo-mudo e como eu não queria dar nenhum dinheiro para ele, fiz sinal de “não” com a mão.

Ele fez que não entendeu o meu “não” e balbuciou bravo outros sons. Eu também fiz sinal de “não” de forma mais enfática. E pode parecer engraçado ou triste, mas fiz sinal para ele sair de perto de mim como se ele fosse um cachorro. Sabe quando você expulsa aquele cachorro que acha que vai te morder? Fiz muito parecido. Não pensei em outra forma de falar para um possível “surdo-mudo-sem-noção” para sair de perto. Queria que ele se afastasse, ele estava muito próximo de mim.

Ele não saiu. Nem se moveu um centímetro. E pior, na sacanagem, ele apoiou seu peso no meu carrinho com um dos braços querendo dizer “Daqui, eu só saio quando você me der o dinheiro”. E foi aí que eu fiquei puto da vida, que o sangue me subiu à cabeça e eu tive muita vontade de partir para cima dele. Eu queria muito bater nele. Tive um acesso de raiva muito grande. Eu explodi.

Aí, eu imaginei as manchetes de jornal: “Eduardo Franciskolwisk bate em deficiente”. Com uma foto minha na capa em um ângulo nada favorável à minha beleza natural. Vamos mais longe e imaginar o mudo dando entrevistas para canais de televisão. É incrível, mas eu tive a frieza de pensar este tipo de coisa e consegui me segurar. Então, posso dizer que a explosão de verdade foi internamente.

Controlei a raiva, mas ela ainda estava lá. Então, eu comecei a empurrar ele com o carrinho de compras. Pode rir, imaginar a cena é engraçado até pra mim. E eu fazia sinal de “não” com a mão para ver se o folgado entendia.

Com muito custo e muitos “nãos” com a mão reforçados com a boca, ele saiu de perto de mim. Mas já tinha me irritado e chegado perto o suficiente para me transmitir COVID-19. Deficiente filho da puta. Graças a Deus ele não encostou em mim. 

Mas... pensando bem, ele encostou no carrinho. Ele apoiou justamente no local onde colocamos as mãos para empurrar o carrinho e depois eu segurei lá para afastar o carrinho de comprar do meu carro. E depois, eu encostei no volante. E só pensei nisso quando já estava dirigindo de volta para casa.

A vida é uma merda porque ela vive nos ferrando. As pessoas são uma merda. A Terra seria um lugar bem melhor sem os seres humanos. Eu fui de máscara para o supermercado, passei álcool 70% nas mãos na entrada e na saída, tomei todos os cuidados de não encostar a mão no rosto e de ficar a uma distância razoável das pessoas. Aí, vem um jovem, aparentemente forte e normal, se dizendo deficiente e me infecta com coronavírus. Dá vontade de bater mesmo, de espancar.

Talvez eu até apanharia do deficiente em uma briga. A única deficiência dele é ser surdo e mudo. Ele pode muito bem trabalhar em alguma coisa. Claro que não vai ser cantor porque é mudo. Também não vai ser atendente de telemarketing porque não ouve. Mas existe algum emprego em que ele possa trabalhar e não pedir esmolas. Ele não é deficiente mental, caso contrário ele não teria a sacada genial de apoiar no carrinho para me dizer que só sairia dali com o dinheiro. Ouso dizer que, talvez, ele não tenha deficiência nenhuma e aquele é o trabalho lucrativo e fácil que ele arrumou.

Isto tudo me fez pensar em como eu tenho explodido facilmente em algumas situações. Também pensei que eu não estava totalmente errado em querer agredir aquele folgado. Por outro lado, percebi que consigo controlar esta explosão de raiva, posso xingar, mas evito brigar de porrada. O único problema é que se a explosão dentro de mim acontece fácil e constantemente, um dia não vou conseguir controlar.

E quando isto acontecer vai ser uma “Explosão Tchakabum, é a onda do verão, explosão muito quente, quente feito um vulcão...” ♪.

Eduardo Franciskolwisk

P.S.: Descobri, fazendo esta postagem, que a letra correta da música é:

“Explosão Tchakabum
Com a dança do verão
Explosão muito quente
Quente feito um vulcão”

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