Dias atrás, fui ao
supermercado e na hora de ir embora me deu vontade de bater em um deficiente.
Eu tenho algum problema, Doutor?
Não sei o que o Doutor
diria, mas eu digo que sim, tenho muitos problemas. E um deles é relativamente
novo: eu explodo com facilidade. Dependendo do meu humor e do que tiver
acontecido, o sangue me sobe à cabeça e vou para cima com tudo. Até agora nunca
agredi ninguém fisicamente, embora não faltasse a vontade. Até agora vou para
cima só com as palavras.
Neste dia que fui ao
supermercado, eu estava de boa na lagoa, não estava nem um pouco nervoso. Era
uma quinta-feira e fui fazer compras no período da tarde por causa da
quarentena. Eu costumo ir de noite em épocas normais porque escolho um horário
que não tem muita gente justamente para evitar inúmeras situações chatas e
encontrar pessoas.
Fiz minhas compras
sossegado, paguei sossegado, mas a hora de guardar as compras no carro foi bem
bizarro. Geralmente, de dia, tem alguns vendedores ambulantes, então, eu vi um
cara que poderia ser um destes vendedores e como ele não me falou nada, passei
reto. Mas passei reto bem desconfiado, por isso, tentei colocar ele na minha
visão periférica. Olhei de um lado ele não estava, do outro também não. O cara
estava atrás de mim. Fiquei com medo de ser assaltado. Era certeza que ele ia fazer
alguma coisa comigo. Cheguei no carro, olhei para trás e ele estava lá, quase
em cima de mim. Era um pedinte.
Um pedinte quase em
cima de mim durante a quarentena do coronavírus. Eu não gosto de gente em cima
de mim nem em época normal.
O pedinte, moço novo
de uns 20 e poucos anos, não era mendigo porque estava bem vestido. Ele não me
disse nada e mostrou um cartão – na verdade ele deu, mas eu não peguei por
causa do coronavírus – onde rapidamente li “deficiente”. Ele meio que balbuciou
alguns sons. Entendi que ele era surdo-mudo e como eu não queria dar nenhum
dinheiro para ele, fiz sinal de “não” com a mão.
Ele fez que não
entendeu o meu “não” e balbuciou bravo outros sons. Eu também fiz sinal de
“não” de forma mais enfática. E pode parecer engraçado ou triste, mas fiz sinal
para ele sair de perto de mim como se ele fosse um cachorro. Sabe quando você
expulsa aquele cachorro que acha que vai te morder? Fiz muito parecido. Não
pensei em outra forma de falar para um possível “surdo-mudo-sem-noção” para
sair de perto. Queria que ele se afastasse, ele estava muito próximo de mim.
Ele não saiu. Nem se
moveu um centímetro. E pior, na sacanagem, ele apoiou seu peso no meu carrinho
com um dos braços querendo dizer “Daqui, eu só saio quando você me der o dinheiro”.
E foi aí que eu fiquei puto da vida, que o sangue me subiu à cabeça e eu tive
muita vontade de partir para cima dele. Eu queria muito bater nele. Tive um
acesso de raiva muito grande. Eu explodi.
Aí, eu imaginei as
manchetes de jornal: “Eduardo Franciskolwisk bate em deficiente”. Com uma foto
minha na capa em um ângulo nada favorável à minha beleza natural. Vamos mais
longe e imaginar o mudo dando entrevistas para canais de televisão. É incrível,
mas eu tive a frieza de pensar este tipo de coisa e consegui me segurar. Então,
posso dizer que a explosão de verdade foi internamente.
Controlei a raiva,
mas ela ainda estava lá. Então, eu comecei a empurrar ele com o carrinho de
compras. Pode rir, imaginar a cena é engraçado até pra mim. E eu fazia sinal de
“não” com a mão para ver se o folgado entendia.
Com muito custo e
muitos “nãos” com a mão reforçados com a boca, ele saiu de perto de mim. Mas já
tinha me irritado e chegado perto o suficiente para me transmitir COVID-19.
Deficiente filho da puta. Graças a Deus ele não encostou em mim.
Mas... pensando bem,
ele encostou no carrinho. Ele apoiou justamente no local onde colocamos as mãos
para empurrar o carrinho e depois eu segurei lá para afastar o carrinho de
comprar do meu carro. E depois, eu encostei no volante. E só pensei nisso
quando já estava dirigindo de volta para casa.
A vida é uma merda
porque ela vive nos ferrando. As pessoas são uma merda. A Terra seria um lugar
bem melhor sem os seres humanos. Eu fui de máscara para o supermercado, passei
álcool 70% nas mãos na entrada e na saída, tomei todos os cuidados de não
encostar a mão no rosto e de ficar a uma distância razoável das pessoas. Aí,
vem um jovem, aparentemente forte e normal, se dizendo deficiente e me infecta
com coronavírus. Dá vontade de bater mesmo, de espancar.
Talvez eu até
apanharia do deficiente em uma briga. A única deficiência dele é ser surdo e
mudo. Ele pode muito bem trabalhar em alguma coisa. Claro que não vai ser
cantor porque é mudo. Também não vai ser atendente de telemarketing porque não
ouve. Mas existe algum emprego em que ele possa trabalhar e não pedir esmolas.
Ele não é deficiente mental, caso contrário ele não teria a sacada genial de
apoiar no carrinho para me dizer que só sairia dali com o dinheiro. Ouso dizer
que, talvez, ele não tenha deficiência nenhuma e aquele é o trabalho lucrativo
e fácil que ele arrumou.
Isto tudo me fez
pensar em como eu tenho explodido facilmente em algumas situações. Também
pensei que eu não estava totalmente errado em querer agredir aquele folgado.
Por outro lado, percebi que consigo controlar esta explosão de raiva, posso
xingar, mas evito brigar de porrada. O único problema é que se a explosão
dentro de mim acontece fácil e constantemente, um dia não vou conseguir
controlar.
E quando isto
acontecer vai ser uma ♫ “Explosão Tchakabum, é a onda do verão, explosão
muito quente, quente feito um vulcão...” ♪.
Eduardo
Franciskolwisk
P.S.: Descobri,
fazendo esta postagem, que a letra correta da música é:
“Explosão Tchakabum
Com a
dança do verão
Explosão muito quente
Quente feito um vulcão”
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