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quarta-feira, 29 de abril de 2020

Terrorismo



No começo deste ano, a minha família quase inteira foi pra Porto Seguro. Dos que não foram, somente eu não saí da minha cidade. Os outros ou foram para outras praias ou estavam em lugares bem mais interessantes.

Porto Seguro. Isto me lembrou de uma história.

Quando eu tinha uns 14 anos e estava na 8ª série, a escola organizou uma excursão para Porto Seguro para comemorar a formatura. E minha mãe deixou que eu viajasse. Que adolescente não ficaria feliz e empolgado com uma viagem destas? Eu fiquei.

Acontece que eu fiz alguma coisa ruim. Uma desobediência, uma resposta torta, um palavrão gritado ou uma briga de pancadaria com sangue com as minhas irmãs. Juro que não lembro o que fiz de errado. Eu só sei que minha mãe fechou a cara e praticamente não falava comigo. E quando falava alguma coisa, era de forma agressiva, brava. Acho que foi uma semana inteira assim. A semana anterior à excursão.

No dia da viagem, ela me disse o seguinte:

— Você vai viajar e vai ficar uma semana. Eu quero que você use este tempo para pensar no que você fez. E quando você voltar, a gente conversa.

Eu fui viajar com o meu psicológico confuso. Meio feliz pela viagem e meio triste pela semana desgastante que passou e, principalmente, pela bomba que eu ia enfrentar quando chegasse em casa. Até hoje eu não sei o que fiz de errado para desencadear tanta agressividade para cima de mim. Eu juro, aos 36 anos ainda me pergunto confuso “O que eu fiz naquela época?”.

Na hora que minha mãe me falou que iam para Porto Seguro, automaticamente me lembrei daquela semana que antecedeu à viagem e me refiz a mesma pergunta.

Enquanto eles estavam viajando, por acaso assisti a um vídeo do Mário Sérgio Cortella chamado “Como identificar gente arrogante”. No final do vídeo ele, dando um exemplo sobre assédio moral em empresas, diz “Olha, eu estou prestando atenção nas suas coisas. Vai para casa, é fim de semana, aproveite. Segunda-feira, eu converso com você.” E aí, ele explica “Isto hoje é considerado assédio moral, com toda razão, porque isto faz com que a pessoa se sinta aterrorizada.”

Aterrorizada. A palavra era esta, mas na minha cabeça ela logo foi substituída por outra: terrorismo. Terrorismo psicológico. Algo que tira sua alma, mas deixa a sua vida. Algo que tira a sua felicidade e deixa o pânico.

Na semana que passei em Porto Seguro, com 14 anos, posso dizer que consegui ser um adolescente normal. Apesar deste tipo de ameaça ser o gatilho da minha ansiedade, eu ainda não era ansioso. Eu não ficava o tempo todo imaginando o que ia acontecer quando eu chegasse em casa. Mas eu imaginei várias vezes. E sempre era nos momentos em que eu estava mais feliz.

Se eu estava me divertindo e rindo bastante, do nada eu me lembrava da ameaça e imediatamente ficava triste. A diversão perdia a graça na mesma hora.

Este tipo de situação passou a ser muito comum comigo ao longo da vida. E apesar de achar que isto já acontecia antes, foi o episódio da viagem que me fez definir com certeza uma idade em que eu já tinha certos tipos de pensamentos.

É muito estranho sentir tristeza nos momentos em que eu deveria sentir felicidade. Mas isto acontece comigo e eu culpo as pessoas que me assediaram, que me espremeram até a última gota, que me ameaçaram para se sentir fortes, que me torturaram para eu me sentir fraco e desprezível. Eu era inocente e bobão, não podia me defender. Eu acreditava nos mais velhos. A culpa é destas pessoas que fizeram apenas uma coisa comigo: terrorismo.

Eduardo Franciskolwisk

2 comentários:

  1. Mas você ficou com medo de que tipo de represália? Sua mãe iria te bater? Iria de deixar de castigo? O que exatamente você temia?

    Engraçado, eu estava esperando uma postagem dessas aqui. Uma dessas que você falasse de alguma coisa massa que fez na adolescência. Claro, eu queria era compará-la com a minha. Engraçado que você teve uma experiência que eu recusei nessa época: saídas com o pessoal do colégio. Meu colégio organizava viagens desse tipo também. Aliás, também tivemos uma viagem para Porto Seguro. Parece ser um lugar legal para a perdição dos jovens hehe. Digo "parece" porque eu não fui. Foi a viagem de comemoração do término do ensino médio, praticamente a despedido do pessoal que nunca mais iria se ver. Meus pais me ofereceram todo o dinheiro para ir e até insistiram, mas eu recusei. Nossa, como eu já era um cara que se odiava naquela época. Se hoje eu ainda me odeio, naquele época me odiava 10 vezes mais.

    Fiquei com medo de parecer um retardado lá. Eu nunca iria me divertir até porque, naquela época, as pessoas tinham uma visão de mim que eu odiava: eu era muito certinho. Gente certinha não se diverte, não bebe, não transa, não faz porra nenhuma. Ou seja: se eu me atrevesse a me divertir de alguma forma, todos prestariam atenção e eu me sentiria mal. Enfim, quem sabe um dia você escreve aí o que rolou nessa viagem.

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    1. Sim, claro que fiquei com medo de represália. O que eu exatamente temia? Tudo. Eu não sabia o que ia acontecer, é por isto que eu chamo de terrorismo.

      Eu fui no final do ensino fundamental. Se tivesse sido no final do ensino médio, talvez eu tb não quisesse ir. Muita pressão por causa de vestibular e eu já tinha começado meu processo de isolamento porque já me sentia meio perdido.

      Eu também tinha fama de ser certinho, ainda tenho eu acho. Eu nem sabia como seria as coisas lá, (essa coisa de festas, etc) eu só sabia que eu ia pra praia de avião. Na época eu não era muito complexado. Fui ficando depois com as cobranças, cobranças e cobranças.

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